sexta-feira, 8 de julho de 2016

Falsas acusações de estupro: regra ou exceção?

Cena do filme A caça (2012)
Dando continuidade ao post anterior, gostaria de tocar em uma questão que acabei deixando passar batido, que são as falsas acusações de estupro. É comum ouvir de pessoas críticas à ideia de uma cultura do estupro e de homens e grupos machistas em geral que grande parte das denúncias de estupro seriam falsas. Por exemplo, de acordo com a página do Facebook Eu não mereço falsa acusação de estupro, cerca de 61% das denúncias de estupro seriam falsas. Não fica claro qual a fonte dessa informação, mas os inúmeros casos de falsas acusações expostos na página dão a impressão de que esta estatística estaria correta. A psicóloga do do Tribuna de Justiça do Rio de Janeiro Glícia Barbosa de Mattos Brazil foi além e afirmou para o jornal Extra que cerca 80% das denúncias seriam falsas - especialmente as denúncias de abuso de menores. Segundo ela, "na maioria dos casos, a mãe está recém-separada e denuncia o pai para restringir as visitas". Na resenha que fiz do filme A caça - que retrata um caso de falsa acusação de abuso sexual - cheguei a comentar sobre a existência, no Brasil, da Associação de Vítimas de Falsas denúncias de abuso sexual (AVFDAS) criada justamente para auxiliar e dar apoio a sujeitos equivocadamente tachados de abusadores. Pois bem, feita esta breve introdução, fica a questão: será verdade que a maior parte das denúncias de estupro são falsas? Ou tais casos são excepcionais? Certamente não dá para negar que tais falsas denúncias existem - e que são destruidoras para aqueles que são acusados, especialmente se a denúncia é de abuso infantil. O terrível caso da Escola Base atesta o poder destruidor de uma falsa acusação de abuso sexual. Acho que ninguém questiona isso. Mas a grande questão é saber se tais denúncias são a regra ou a exceção.

As estatísticas certamente são contraditórias porque os métodos para obtê-las são extremamente variados - além do fato de ser extramemente complexo julgar a falsidade/realidade de inúmeros casos, especialmente daqueles que estão amparados exclusivamente ou majoritariamente em provas testemunhais. Assim, podemos encontrar na literatura dados que variam entre 1,5 e 90% de falsas acusações. Provavelmente a realidade se encontra em algum ponto entre estes dois valores, com tendência para baixo. Uma importante pesquisa publicada em 2010 por David Lisak e três coautores analisou oito estudos metodologicamente rigorosos sobre o assunto e concluiu que o predomínio de falsas acusações é da ordem de 2 a 10%, o que sugere que tais casos são a exceção e não a regra. De fato nunca saberemos o valor exato, pois tal porcentagem, além oscilar de acordo com a metodologia usada, varia de país para país e de cidade para cidade. De toda forma, os principais pesquisadores no campo hoje, como David Lisak, entendem que os casos de falsas denúncias são muito mais incomuns do que os casos reais. Isto sem falar nos inúmeros casos de estupro que não são denunciados em função do medo da vítima de não ser levada a sério e de se expor perante a família e a sociedade. Na verdade, alguns estudos apontam que a absoluta maioria dos casos, cerca de 80%, não são nunca denunciados, o que significa dizer, no final das contas, que a quase totalidade dos estupradores não é julgada e muito menos punida de forma alguma. A impunidade reina quando o assunto é estupro. 

Mas deixando as estatísticas de lado, gostaria de trazer ainda uma outra questão que é como diferenciar, em cada caso, uma falsa denúncia de uma denúncia verdadeira - e como fazer isso sem desconsiderar o relato da vítima. No livro Missoula, que introduzi no post anterior, o autor Jon Krakauer fornece uma boa pista de como se lidar com as denúncias de estupro. Segundo ele, "policiais e promotores de justiça são moral e profissionalmente obrigados a fazer todos os esforços para identificar denúncias de estupro capciosas, proteger os direitos civis dos suspeitos de estupro e impedir os falsamente acusados de serem condenados. Ao mesmo tempo, porém, policiais e promotores são obrigados a fazer tudo o que podem para identificar indivíduos que cometeram estupro e garantir que os culpados sejam levados à justiça. Esses dois objetivos não são mutuamente excludentes. Uma investigação meticulosa e habilmente conduzida, que começa acreditando na vítima, é parte essencial do processo penal e, em última instância, da condenação daqueles que são culpados de estupro. Ocorre que é também a melhor forma de inocentar os que foram falsamente acusados". E Krakauer continua: "vítimas de estupro fornecem à polícia  mais informações - e informações melhores - quando os detetives as entrevistam com atitude de confiança em vez de desconfiança. O que não significa que os policiais deveriam simplesmente aceitar a veracidade das histórias das vítimas sem confirmá-las depois". Segundo o autor, os policiais devem "confiar, mas verificar", como afirmava o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan sobre sua abordagem de diplomacia internacional. Em suma, embora não seja simples diferenciar mentira e verdade em alguns casos é possível sim buscar outros elementos, para além da prova testemunhal, que comprovem ou contradigam a versão da (suposta) vítima - por exemplo, provas materiais fornecidas pela pericia. E para isso não é necessário duvidar ou desconfiar de antemão. Porque embora existam pessoas mal intencionadas que farão falsas denúncias, existem muito mais vítimas reais que necessitam de um voto de confiança inicial. O estupro, como bem aponta Krakauer, é o único crime em que se presume que a vítima esteja mentindo. Se uma pessoa é assaltada, por exemplo, dificilmente alguém questionará a veracidade do depoimento da vítima. Além disso, como questiona uma promotora de Missoula, "nós iríamos duvidar da vítima de um roubo porque ela deixou a porta de casa destrancada?". Pois é exatamente a este tipo de dúvida que as vítimas de estupro são submetidas cotidianamente. O que precisamos fazer, então, é inverter este padrão. Ao invés de começar desconfiando, devemos antes de tudo confiar. E depois verificar.
Comentários
6 Comentários

6 comentários:

Anônimo disse...

Isso quando não pedem a psicólogos a confirmação da veracidade do relato, ou submetem crianças ao "depoimento sem danos"

Lucas disse...

Como sempre psicólogos falando bosta. Psicologia se tornou pseudociência há décadas. A maioria absoluta das denúncias de estupro são falsas. Centenas de pesquisas REAIS com dados de DELEGACIAS mostrando que a margem de falsos estupros giran entre 75-82% e pegam UMA PESQUISA feita por um kra sustentado por bilionários pra tomar como verdade. aSHUSAHUAUHSHUASUHASUHSA

Unknown disse...

Mostre essas pesquisas pra gente

Unknown disse...

Gostaria de ver também...
Se mandarem pra você, favor entrar em contato comigo para me encaminhar.
Obrigada

Unknown disse...

Mico,é mulher e defendendo esse tipo de coisa.

disse...

Como assim não tiveram acesso as pesquisas? A propria Marie Claire publicou uma pesquisa feita pelo setor PSICOSOCIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA D3 SÃO PAULO onde apontava para falsas denuncias em 80% dos casos nas 13 varas de familia so TJSP...

https://extra.globo.com/noticias/rio/nas-varas-de-familia-da-capital-falsas-denuncias-de-abuso-sexual-podem-chegar-80-dos-registros-5035713.html