sexta-feira, 26 de agosto de 2016

São tantas opções!!! Reflexões sobre a arte de escolher, no Netflix e na vida

Se você é assinante do Netflix então você deve passar pelo que eu passo e sentir o que eu sinto. Aposto que você, como eu, já ficou um tempão passando pelas inúmeras opções de filmes e séries da plataforma sem conseguir escolher, afinal, o que assistir naquele momento. São tantas opções e, ao que parece, tantas boas opções, que é comum a sensação de me sentir perdido e até mesmo paralisado. Confesso que algumas vezes eu passei mais tempo imerso nesse doloroso processo de escolha do que assistindo efetivamente alguma coisa - uma total perda de tempo! Outras vezes eu acabei desistindo e não assisti nada. Isto acontece com você? Aposto que sim. Aliás, mesmo que você não tenha Netflix, esta sensação deve estar presente em sua vida de alguma forma. Isto porque temos hoje, enquanto sociedade, um gigantesco número de opções para quase tudo. Se as pessoas tem igualmente acesso a todas estas opções é uma outra história (e a resposta, já adianto, é um sonoro "Não!"), mas o fato é que nunca tivemos tantas opções. Já comprou um celular? Então você sabe do que eu estou falando. Comprar um celular ou um notebook hoje em dia é uma tarefa complexíssima em função da existência de uma quantidade absurda de marcas e modelos e funções e cores... Ahhh! É muito fácil se sentir perdido no meio de tantas opções. Mas o excesso de opções não existe somente no mundo do consumo, onde isso é mais evidente, mas em diversos outros âmbitos da vida. Pensemos, por exemplo, na escolha do curso de graduação. Um adolescente que deseje ingressar hoje na universidade tem à sua disposição, pelo menos teoricamente, mais de 500 cursos diferentes. E isto significa que ao escolher determinado curso ele estará instantaneamente abrindo mão de todos os outros. Não é uma tarefa simples! Escolher e abrir mão nunca é e nunca foi fácil, mas se torna ainda mais difícil diante de tantas e tantas e tantas opções.

Em geral, tendemos a ver isso como uma coisa boa. "Se temos mais opções, temos mais liberdade para escolher e se temos mais liberdade somos mais felizes", é o que normalmente pensamos. No entanto, isto não é totalmente verdade - por dois principais motivos. O primeiro é que em grande parte das vezes, acabamos optando pelo caminho mais fácil e escolhemos a opção mais óbvia, mais conhecida ou mais popular - por exemplo, quando você vai a uma sorveteria que tem mais de 200 sabores de sorvete e escolhe o sorvete de chocolate. Você tinha à sua disposição uma infinidade de opções, mas acabou optando - como grande parte das vezes as pessoas optam - pelo caminho mais seguro. Talvez você não saiba como é o gosto, por exemplo, de um sorvete de cajá, mas certamente você imagina e sabe como é o gosto de um sorvete de chocolate. Não que os sorvetes de chocolate sejam todos iguais, mas você tem uma referência mais clara em sua mente de como é e como será este sabor, o que lhe sugere que haverá uma menor possibilidade de você se decepcionar. Por isso você opta pelo caminho mais seguro e pede o sorvete de chocolate - e não o de cajá. Aliás, eu aposto que na maioria das sorveterias, um pequeno número de sabores tem uma saída muito maior que 99% dos outros sabores - da mesmo forma como acredito que no Netflix um pequeno número de filmes e séries domina a audiência (a ideia da categoria "Em alta" parece ser indicar justamente os filmes e séries mais vistos, que acabam, por conta desta indicação, sendo ainda mais vistos). Queremos acreditar que estamos tomando uma decisão autônoma e seguindo nossa intuição, mas estamos apenas agindo como ovelhinhas e seguindo a multidão. 

O segundo motivo pelo qual não é totalmente verdadeira a ideia de que "mais opções = mais liberdade = mais felicidade" é que, em geral, o excesso de opções causa sofrimento, ansiedade e angústia. Certamente, ter opções é bom até um determinado ponto, como bem aponta como aponta o psicólogo Barry Schwartz no magnífico livro O paradoxo da escolha: porque mais é menos (A Girafa Editora, 2007). No entanto, ultrapassado este "ponto", o excesso de opções começa a pesar e aí começamos a ficar perdidos e angustiados. Em parte, esta angústia se deve à ideia amplamente disseminada de que devemos fazer sempre "a melhor escolha", o que alguns indivíduos levam extremamente a sério - Schwartz os chama de "maximizadores". Essas pessoas não aceitam qualquer coisa, não se contentam com o mínimo, elas querem o máximo. Se vão comprar um celular querem o melhor celular. Se o objetivo é ter um carro, não querem um carro qualquer, querem "o" carro. Na hora de escolher a profissão, almejam a profissão perfeita: aquela que trará satisfação permanente e muito dinheiro. Ao "escolher" o parceiro amoroso (na verdade não é tanto uma escolha e mais um encontro), não aceitam menos do que a alma gêmea.  Enfim, os maximizadores querem sempre fazer a melhor escolha. E para tanto gastam (ou investem?) uma grande quantidade de tempo antes de tomarem qualquer decisão. Se o objetivo é comprar uma camisa, por exemplo, percorrerão todas as lojas do Shopping antes de escolher qual irá levar. Se o objetivo é escolher um filme no Netflix, explorarão todo o enorme catálogo da plataforma antes de se decidir. Se o objetivo é encontrar sua "alma gêmea" passarão horas no Tinder avaliando todos ou o máximo possível de perfis. O problema é que dificilmente os maximizadores ficarão satisfeitos. De acordo com Schwartz, os maximizadores, em geral, são pessoas "menos satisfeitas com a vida, menos felizes, menos otimistas e mais deprimidas". Em sua busca pelo "melhor" eles sempre se sentirão frustrados, inclusive depois de escolher. Isto porque eles quase certamente ficarão com a sensação de que poderiam ter pesquisado mais, explorado mais, comparado mais e, portanto, terem feito escolhas ainda melhores.

Escala de Maximização - Veja como você se sai!
O que o maximizador não percebe, ou não quer perceber, é que não existe escolha perfeita, não existe "a" melhor escolha, não existe alma gêmea. Todas as escolhas são falíveis. Nunca há ou haverá garantia de que fizemos a escolha certa. Aliás, o que seria uma escolha certa? Se tivéssemos feito outras escolhas em nossas vidas, nunca saberíamos como estaríamos. Se eu tivesse feito outro curso que não Psicologia, como seria minha vida hoje? Eu não sei e nunca vou saber - da mesma forma como não tenho como saber como minha vida seria se eu tivesse nascido na Índia ou se eu fosse mulher, por exemplo. A vida é o que é e não o que teria sido. Escolher, nesse sentido, é um ato de coragem, como bem aponta o orientador profissional Silvio Bock. É uma aposta que fazemos em determinados caminhos - e como em toda aposta, não há garantias, apenas possibilidades. E isto significa que diante de uma escolha (seja ela de qual sorvete tomar, de qual filme assistir, de qual pessoa namorar ou de qual profissão seguir) você tem basicamente duas opções: 1) buscar a melhor opção - e nunca encontrar e viver permanentemente frustrado; ou 2) aceitar o "suficientemente bom". A ideia, neste caso, não é fazer a escolha de qualquer jeito ou se contentar com o mínimo, mas aceitar que não existe escolha perfeita e que o máximo que podemos encontrar em cada momento é o "suficientemente bom". O melhor está no plano das ideias, é uma utopia. Já o "suficientemente bom" é mais palpável, mais real, mais possível. Schwartz defende, nesse sentido, que nos sentiríamos mais felizes se: aceitássemos determinadas restrições voluntárias à nossa liberdade de escolha, em vez de nos revoltarmos contra elas; buscássemos aquilo que fosse "suficientemente bom" em vez de buscar o melhor; baixássemos as expectativas quanto ao resultado das nossas decisões; nos importássemos menos com o que as pessoas ao nosso redor fazem. Tudo isto significa que da próxima vez que estiver de frente para a tela do Netflix tente não pensar "qual o melhor filme que eu posso assistir agora?" mas sim "este filme parece suficientemente bom para mim neste momento?". Estabeleça um limite de tempo para pesquisar (por exemplo, 5 minutos) e finalizado este período, escolha o que sua intuição mandar. Pode ser que você não goste do filme mas pode ser que você goste. Não há como saber anteriormente. Não há certezas. Escolher, no Netflix e na vida, é sempre uma caixinha de surpresas.

Sugestões (apenas duas para você não se sentir perdido):

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