domingo, 1 de outubro de 2017

Resenha do livro "Os robôs vão roubar seu trabalho, mas tudo bem": como assim "tudo bem"?

Recém-lançado no Brasil pela editora Portfolio-Penguin, o livro Os robôs vão roubar seu trabalho, mas tudo bem: como sobreviver ao colapso econômico e ser feliz tem início com uma interessante e pertinente discussão sobre os impactos da automatização do trabalho na sociedade; no entanto, para minha surpresa e decepção, a obra descamba para um discurso vazio e individualista de autoajuda que em nada contribui ou acrescenta à esta discussão fundamental - que já tratei em um post anterior. Uma pena, realmente. Escrito pelo jovem cientista da computação italiano Federico Pistono, apresentado na orelha do livro como sendo "escritor, empreendedor, pesquisador e palestrante", esta obra consegue demonstrar de forma clara que não só os robôs - ou, mais precisamente os processos de automação e mecanização - vão "roubar" ou substituir muitos trabalhos e aumentar o desemprego, como isto já está ocorrendo em todo o mundo. O grande problema é que o autor não consegue justificar e explicar com igual precisão a segunda parte do título de seu livro - como assim "mas tudo bem"? Enfim, Pistono consegue expor de forma bastante didática o problema, já extensamente descrito e analisado por outros autores (sociólogos, economistas, etc) muito mais gabaritados que ele, mas as soluções propostas pelo autor não passam de fugas ou saídas individuais para um problema que, em essência, é coletivo. A conclusão, contrária à pretendida, não poderia ser mais desesperadora: os robôs vão roubar e já estão roubando os nossos trabalhos e não, não está tudo bem. Nada está bem ou ficará bem.

Na primeira e mais acertada parte do livro, Pistono analisa o impacto dos processos de automação nos índices de emprego e desemprego e sua conclusão não é nada boa: ainda que até o momento a substituição de mão-de-obra humana por máquinas e algoritmos não tenha levado a um colapso econômico generalizado, o desemprego tem aumentado gradativamente e, no futuro, atingirá níveis astronômicos. Além disso, segundo o autor, os novos empregos criados em função das novas tecnologias não tem sido gerados na mesma proporção que os velhos empregos tem sido substituídos e isto se agravará ainda mais ao longo do tempo. Sua conclusão, pessimista, pode ser resumida pelo seguinte trecho do livro: "Os velhos empregos não vão voltar. Os novos empregos serão sofisticadíssimos, desafiadores técnica e criativamente, e apenas um punhado deles será necessário. A questão é simples: o que farão os trabalhadores não qualificados de hoje? Até agora ninguém foi capaz de responder a esta pergunta. O motivo disso, creio, é que não há resposta. Não nesse sistema, não de acordo com a maneira como é projetado para funcionar". Enfim, os trabalhos serão cada vez mais automatizados e o desemprego aumentará mas... tudo bem? Não! Nada está bem ou ficará bem.

O mito da meritocracia
Na segunda parte do livro, Pistono discute a complexa relação entre trabalho e felicidade, concluindo que se, em geral, o trabalho não gera felicidade - uma estatística apresentada por ele aponta que 80% das pessoas odeiam seu trabalho - o desemprego também gera infelicidade. Resumindo: se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Sua visão, igualmente pessimista, é que sendo a felicidade algo tão subjetivo e fugidio, não somos nem seremos felizes trabalhando - e muito menos desempregados. Isto porque, segundo ele, além do fato de a maioria dos trabalhos ser extremamente repetitiva e mecânica (e, portanto, facilmente substituível por máquinas ou algoritmos), mesmo nos trabalhos menos mecanizados as pessoas se habituam às suas realidades e muitas vezes, aquilo que gerava bem-estar no início passa a gerar mal-estar ao longo do tempo - como afirma Pistono, "se você melhora seu padrão de vida, rapidamente se adapta a ele, o qual se torna a norma, e suas expectativa por consequência aumentam". Já o desemprego, por óbvio, gera mal-estar, afinal, se dinheiro não traz felicidade, a falta de dinheiro certamente gera infelicidade. Ah, alguém poderia dizer, mas basta se esforçar para conseguir um bom emprego e ganhar dinheiro, não? Quem se esforça sempre consegue o que quer, não é verdade? Infelizmente nada é tão simples assim. A meritocracia, filosofia que estabelece uma ligação direta entre mérito e poder, não passa de um mito - ou, para sermos um pouco mais otimistas, de uma utopia. Como bem aponta Pistolo, a lógica do sistema capitalista não funciona desta forma e por mais que algumas pessoas se esforcem, elas dificilmente "chegarão lá" - algumas podem até conseguir (e são justamente essas que reforçam o mito) mas a grande maioria não chegará nem perto. Como aponta o autor, "os pobres continuarão pobres e os ricos continuarão ricos, independente do quanto se esforcem". Enfim, mais uma vez a conclusão não é positiva. Não está tudo bem. Nada está bem ou ficará bem.

Tendo em vista todo o cenário catastrófico ou, no mínimo, desanimador descrito nos parágrafos anteriores, quais seriam, então as "soluções" apontadas por Pistono na última parte de seu livro? Quais seriam as saídas possíveis para os problemas apontados que justificariam a visão supostamente otimista demonstrada pelo autor no título do livro? Bem... veja só os conselhos dados pelo autor a seus leitores nos quatro últimos capítulos - denominados "Conselhos práticos para todos", "Construindo o futuro", "Como ser feliz" e "O futuro é lindo":

- Precise de menos, viva mais
- Eduque-se/eduque os outros
- Cultive seu próprio alimento
- Coma menos carne
- Economize energia/produza sua própria energia
- Abandone o carro
- Apoie projetos open source
- Trabalhe menos, seja autônomo
- Não seja um pentelho
- Viva de modo inteligente, isto é:
  * Medite
  * Anote o que precisa de resolução
  * Anote as coisas boas que lhe aconteceram hoje
  * Exercite-se 
  * Pratique atos aleatórios de bondade
  * Cultive novas experiências
  * Estabeleça metas pequenas e realistas
- Gaste com inteligência, isto é:
  * Compre experiências ao invés de coisas
  * Ajude os outros em vez de si mesmo
  * Compre muitos pequenos prazeres ao invés de poucos grandes
  * Faça menos seguros
  * Pague agora e consuma depois
  * Pense sobre aquilo em que não está pensando
  * Cuidado com as compras por comparação
  * Siga o rebanho em vez de sua cabeça

Você pode estar se perguntando (e eu próprio me questionei enquanto lia o livro): o que todas estas dicas e sugestões tem a ver com o problema da substituição da mão-de-obra humana por máquinas e algoritmos? De que forma "comer menos carne" ou "meditar" pode contribuir para resolver o problema do "desemprego tecnológico"? A resposta é: não pode. Na verdade, a mensagem do autor nesta última parte do livro parece ser a seguinte: "tendo em vista que o problema da automatização do trabalho é insolúvel ou muito difícil de resolver - eu pensei e pensei e não cheguei a nenhuma conclusão - você, isto é, a pessoa que ainda tem um emprego que garante o seu sustento, deve tentar ser feliz. Ignore os problemas sociais amplos e sistêmicos descritos anteriormente e tente resolver a sua situação individualmente - e, se possível, sem prejudicar o mundo. Nada vai ficar bem globalmente - as máquinas vão continuar substituindo pessoas, o desemprego vai aumentar, muitas pessoas vão passar necessidade - mas você, indivíduo-privilegiado-não-descartado-pelo-sistema, pode ficar bem se seguir algumas das dicas que eu estou te dando. Agora, se você está desempregado porque sua função foi substituída por sistemas automatizados, aproveite a oportunidade para curtir a vida, para fazer tudo aquilo que sempre teve vontade de fazer mas não pôde porque estava trabalhando... Ah, mas está sem dinheiro para aproveitar a vida? Que pena... Sobre isso eu não tenho nenhum conselho para te dar". Muito embora Pisono critique os livros de autoajuda - afirmando que "alguns são úteis, mas a maioria não presta para nada" - sua obra, que começa como uma boa análise de um tema fundamental, acaba por desembocar numa autoajuda vazia e inútil. Certamente, seguir os conselhos sugeridos por ele pode fazer bem para cada um de nós individualmente e também para o mundo (por exemplo, quando ele sugere a instalação de painéis solares e a redução no consumo de carne), mas tais sugestões em nada dizem respeito à problemática da automatização. Mais honesto seria ele admitir que não existe solução ou que ele não descobriu nenhuma solução, ao invés de fingir que todas estas pseudosoluções são de fato saídas para o problema apresentado. Não, Pistono, não está tudo bem. E você sabe disso!
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